Quando perguntámos a João Ferreira e a Filipe Palmeiro quais eram os seus objectivos para a próxima participação no Rali Dakar, a dupla portuguesa que corre pela Toyota Gazoo Racing SA nem hesitou a responder, em coro: “Vamos ao ‘Dakar’ para discutir a vitória!”

A prova mais importante do calendário de todo terreno inicia-se a 3 de Janeiro na Arábia Saudita e o percurso “não nos assusta”, sublinham piloto e navegador. Para João Ferreira, trata-se da quarta presença no “Dakar”, enquanto Filipe Palmeiro irá alinhar “pela vigésima vez”, o que faz do navegador alentejano o português com mais participações no “Dakar”: estreou-se “ainda em África, no percurso até à capital do Senegal”, prosseguindo na América do Sul, “em todos os cenários aí visitados”, incluindo a Argentina, Chile, Peru e Bolívia.
Mas se João Ferreira ainda não tinha sequer entrado para a escola quando Filipe Palmeiro começou a sua longa tradição de iniciar cada ano participando no Rali Dakar, isso não quer dizer o que piloto de Leiria possa ser considerado um novato. Bem pelo contrário, apesar dos seus 26 anos, aos oito já conduzia um kart e daí a competir nesta categoria foi um passo rápido. Aos 19 anos seguiu as pisadas do pai e tornou-se piloto de todo terreno, numa carreira que rapidamente o projectou para as vitórias e uma colecção de títulos, desde o da categoria mais básica e a nível nacional, aos nacionais absolutos. E, ao mesmo tempo, conquistou títulos mundiais e europeus, também absolutos, onde se bateu de igual para igual com os maiores valores da especialidade.
“Actualmente, tenho mais participações em provas internacionais, no exterior, do que em Portugal”, adianta João Ferreira, como que para sustentar as ambições relativamente ao próximo Rali Dakar: “Já superei todas as provas dos campeonatos e taças mundiais, europeu e nacional, onde enfrentei pilotos que há alguns anos olhava para eles como ídolos e que hoje estão ao meu lado, como adversários ao mesmo nível. Daí que posso mesmo dizer que nesta altura já começo cada corrida, seja qual for, a pensar em ganhar!”
O ano passado, quando foi com Filipe Palmeiro ao ‘Dakar’ conduzindo o Mini da categoria mais competitiva, defendendo as cores da X-Raid, João Ferreira ainda não estava em posição de afirmar isto de forma absoluta. “Ainda me faltava dar esse salto no ‘Dakar’, depois de duas participações em SSV, mas agora tudo é diferente” – assegura o piloto, perante a concordância do seu navegador, que é o primeiro a insistir que “os objectivos são claramente discutir a vitória. Já demos provas daquilo que conseguimos e nos tem permitido sistematicamente andar entre os mais rápidos, mas agora temos um factor novo que reforça esta confiança.” E é João Ferreira quem completa esta ideia, adiantando que “estamos a competir naquela que é a melhor equipa deste momento, com a melhor estrutura e o melhor carro. Agora que conduzimos as Toyota Hilux mais competitivas, percebemos que não é por acaso que nos últimos anos estes têm sido os carros mais ganhadores!”
A troca da equipa X-Raid, a meio desta última temporada, foi determinante para consolidar estas ambições. A formação germânica, liderada por Sven Quandt, que além de padrinho de casamento de Filipe Palmeiro é quase que um padrinho do próprio João Ferreira enquanto piloto de competição, tinha também planos bastante ambiciosos, onde a dupla portuguesa se colocava na linha da frente. “Mas esses projectos não avançaram e percebemos que ou mudávamos, ou não evoluíamos, tal como os Mini não acompanharam o desenvolvimento dos concorrentes”, esclarece João Ferreira que, no entanto, deixa bem claro que “a relação não só permanece bastante forte, como nos mantemos em estreito contacto e sabemos que a disposição da X-Raid é contar connosco assim que esses planos se concretizem”. Pela nossa parte, podemos apenas adiantar que o novo projecto da X-Raid implicará trocar os Mini por uma nova marca, de origem asiática e ainda sem ligações no todo terreno, mas cujo grupo já está bastante envolvido numa das categorias máximas do desporto automóvel…
“A Toyota é, de longe, a melhor equipa”
É neste quadro que surge a proposta da Toyota Gazoo Racing South Africa, que contrata João e Filipe como pilotos profissionais para a sua estrutura. “Agora que já passaram alguns meses e diversas corridas, podemos dizer que se trata, de longe, da melhor formação por onde passamos”, reconhecem piloto e navegador. “O investimento no desenvolvimento da Toyota Hilux é permanente, sempre na busca das melhores soluções, procurando experimentar imediatamente cada ideia que surja nesse sentido”, refere João Ferreira. A propósito, e como exemplo, o piloto recorda uma sessão de ensaios, em Portugal, “onde depois de termos rodado cerca de duas centenas de quilómetros, demos a sessão por concluída e já me estava a ir embora quando o engenheiro que cuida do nosso carro me veio chamar e pedir se voltava a equipar-me, pois queria tirar uma dúvida. Tínhamos estado a afinar suspensões e ele queria comparar os resultados registados, repetindo algumas passagens com outros pneus e as mesmas afinações”. À hora do jantar já havia conclusões e não se perdeu tempo. “Em situações semelhantes, com a X-Raid, um processo destes iria demorar algum tempo e eventualmente teríamos novidades na prova seguinte, mas nunca imediatamente”, acusa Filipe Palmeiro.
E pensando no próximo Rali Dakar, João Ferreira e Filipe Palmeiro afirmam que estão confiantes quanto à estratégia que já traçaram, “a pensar na conquista da vitória”, conscientes de que se trata de uma maratona “e que as corridas de fundo não se ganham ao sprint, quando muito num sprint final, já com a meta à vista”. A propósito, Filipe Palmeiro recorda que “por inúmeras vezes, ao longo de décadas, o vencedor só ficou claro praticamente no fim e esteve longe de ser aquele que mais etapas venceu” – como se estas palavras fossem um recado para refrear as expectativas daqueles que vão estar nos bastidores a reclamar resultados imediatos mal a prova arranque. . .
“Temos uma ideia muito concreta do que a prova representa, fruto das participações anteriores. Sabemos que voltaremos a ter algumas passagens bastante duras, que podem causar sérios danos aos carros ou até fazer esgotar os pneus sobressalentes”, declara Filipe Palmeiro, antes de passar a palavra ao seu piloto, que prossegue dizendo que “não iremos ter as etapas de areia do ‘Empty Quarter’, o que talvez possa trazer um maior equilíbrio entre os pilotos árabes, que têm a maior experiência nessas condições, e todos os outros, mas acredito que a ‘receita’ desenvolvida pela A.S.O. para o percurso seja no sentido de diversidade de pisos e equilíbrio de condições de dureza.”

Testemunhas da acção que apresentou os planos desta equipa para o Rali Dakar 2026 perante o seu público mais entusiasta, no centro da cidade de Leiria, Ricardo Porém e Filipe Campos estão entre os pilotos que mais de perto têm acompanhado o evoluir da carreira de João Ferreira. E na tarde chuvosa deste último sábado, nem por isso deixaram de estar ao lado do piloto, que ambos consideram, “estar num nível ímpar, em termos de competitividade”. Ricardo Porém, que também soma diversas presenças no ‘Dakar’, disse-nos que não tem dúvidas “em como este ano vão para ganhar”, tal como Filipe Campos reforça que “estão em pé de igualdade com os mais fortes adversários e que não lhes falte sorte, pois não basta ter apenas um andamento muito forte. Quando penso, por exemplo, no Sebastien Loeb, lembro-me sempre que por várias vezes já o davam como vencedor e ainda não ganhou o ‘Dakar’ nenhuma vez…”
Filipe Campos nunca correu no ‘Dakar’, mas conhece a prova enquanto observador atento. E contou-nos que já tem viagem marcada para voar até à Arábia Saudita e acompanhar a segunda parte desta prova, segredando-nos que acredita “profundamente na possibilidade de João Ferreira e Filipe Palmeiro entrarem para a história do ‘Dakar’ como vencedores!”. O piloto do Porto sustenta a sua crença “em mais do que a amizade que nos une”, contando que “há algum tempo tive oportunidade de andar ao lado quer de Nasser Al-Attiyah quer do João Ferreira. Confesso que não me sinto confortável a andar ao lado de ninguém, mas em ambos os casos não só me senti imensamente tranquilo, como impressionado pela fineza da condução de ambos. E se pensar com objectividade, não consigo encontrar diferenças, pois acho que estão os dois no mesmo nível!” – uma avaliação que vinda do “mestre”, merece o maior respeito. Exactamente o respeito que nomes como o próprio Nasser, mas também Carlos Sainz e tantos outros, sentem quando olham para João Ferreira, que para atingir o patamar mais elevado do todo terreno e conquistar a “consagração eterna” , só lhe falta mesmo ganhar o Rali Dakar. Será já em 2026?…
Texto e Fotos: Alexandre Correia

